quinta-feira, 12 de abril de 2012

Quem acompanhou a votação do STF sobre a legalização do aborto de fetos anencéfalos?



O STF analisou ontem e hoje a ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde que pede a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos e deu parecer favorável por 8 votos a 2.

Fonte: Uol Notícias.

Como era antes?
Antes, era necessário o parecer de anencefalia de um médico para que a gestante pudesse dar entrada em um pedido judicial de autorização do aborto. Com o novo julgamento do STF uma mulher que carregue um feto anencéfalo poderá decidir retirá-lo sem precisar de uma autorização judicial. O aborto, em si, só era permitido no Brasil em casos de estupro ou quando a gravidez representa um risco à saúde da mãe.

Minha opinião sobre a descriminalização do aborto

Apesar de me considerar feminista (para começar, porque quero direitos iguais), sou extremamente reticente na questão do aborto. Primeiro porque métodos contraceptivos existem exatamente para evitar gravidez e , segundo, porque eu, humildemente, reconheço que no faço ideia de quando começa a vida fetal (e existem vários "parâmetros" diferentes para discutir sobre isto...). Porém, alguns pontos que contam fortemente a favor da descriminalização do aborto são:
  1.  eu não sei da vida das outras mulheres e uma gravidez indesejada pode arruinar a vida de alguém;
  2. a maioria das mulheres com grana suficiente que querem abortar, simplesmente aborta em condições dignas, enquanto as mulheres pobres é que acabam em "açougueiros" quando se desesperam. Isto é, o aborto já existe, mas, por não ser legalizado, resulta muitas vezes em mortes ou complicações, principalmente para as mais pobres. Além disso, dificilmente uma clínica discreta vai fazer com que uma mulher rica ou de classe média acabe na delegacia devido a um aborto. Já uma mulher pobre está suscetível a isso, já que é bem provável que ela precise de um socorro emergencial após o aborto no "açougue".
  3. eu, que na minha vida privada e devido a convicções religiosas, sou contra o aborto, não serei obrigada a abortar. Então a descriminalização não diminuiria a minha liberdade, apenas ampliaria a liberdade de quem quer/precisa fazê-lo. Porém, este post não é sobre a descriminalização do aborto em geral e, sim, sobre a necessidade de um aborto muito específico: o de fetos anencéfalos.

Porque a descriminalização deste tipo de aborto não é uma afronta à sua religião

Primeiro porque, como já foi dito, ninguém será obrigada a abortar um bebê, mesmo que este seja anencéfalo. E segundo porque, sendo o Estado brasileiro LAICO, ele não deve comportar apenas uma crença, mas zelar pelo bem de toda a população. Um feto NÃO FAZ PARTE DA POPULAÇÃO. Um feto normal tem grandes chances de sobreviver após o parto, então é uma vida em potencial, então o aborto em geral pode ser considerado discutível. Já o feto anencéfalo não sobrevive após o parto por muito tempo justamente porque ele não tem cérebro.

O Brasil é laico! Peguei a foto aqui.


Podemos ser um pouco generosos com as outras pessoas

Se você não concorda comigo e acha que um aborto não deve ser feito de maneira nenhuma, então talvez você pudesse simplesmente pensar com um pouco mais de empatia no próximo. Sim, no próximo! Porque pode ser muito fácil dizer que não se deve tirar uma vida, que isso é uma coisa que não se faz. Mas, gente, perder um filho não é fácil. (Claro, nunca perdi um filho, mas consigo me colocar no lugar das pessoas, isso é EMPATIA!) Minha mãe vive dizendo que isso é uma coisa anti-natural, que não deveria acontecer nunca e é, obviamente, porque perder um filho abala muito e às vezes até DESTRÓI a vida de muita gente. Perder um ente querido já é muito difícil e todas as mães dizem que perder um filho é a pior dor que pode existir. Agora imaginem que o aborto pode ser feito com poucos meses de gestação e já será, provavelmente, uma dor para esta mãe. Pior ainda seria ver seu filho nascer e ter que enterrá-lo. Antes de hoje, o Estado brasileiro obrigava várias mulheres a passarem por exatamente isto: sair da maternidade para cuidar dos enterros dos seus filhos. Agora elas têm uma escolha: podem interromper esta gravidez (que não gerará uma vida) antes que os laços sentimentais entre ela e seu filho amadureçam e se enraízem tanto a ponto de ela ser destruída quando vir seu filho nascer e morrer, quase simultaneamente.

Observação

Alguns ministros falaram que esta possibilidade de escolha das mulheres não pode ser considerado um aborto, pois é inconstitucional pretender que tal escolha (o aborto de fetos anencéfalos) seja punível. Até onde eu sabia, a palavra aborto era o nome de um procedimento médico, que é ou não considerado crime a depender das diferentes legislações... A meu ver, ao declararem este tipo de coisa os ministros do STF já estão deixando claro que são contra o aborto em geral. O que pode significar duas coisas: 1) estratégia: eles estão, assim, tentando se proteger de ataques de setores conservadores; 2) eles são realmente contrários ao aborto e deixaram transparecer.

Foto: Getty Images / Terra.


Bioética

Eu me dei ao trabalho de dar uma pesquisada no único livro de Bioética que eu tinha acessível. (Por sinal, o livro é bem fininho, dá para lê-lo até em uma tarde na livraria, se você for um leitor rápido. Mas acho que vale muito a pena tê-lo.) Segundo este livro (referências abaixo), a Bioética tem quatro princípios básicos (o livro é de 2005). São eles:


(Obs.: O autor não deixa claro se existe algum tipo de hierarquia entre eles, então a ordem em que eles são apresentados não deve ser levada em consideração.Entretanto, reproduzo a ordem original.)
  1. Respeito à autonomia. Primeiro o autor faz uma breve discussão muito válida (principalmente em um caso em que de um lado está uma mulher e de outro um feto anencéfalo!) sobre autonomia. Depois, diz uma frase muito interessante que achei que vale a pena reproduzir  e que diz muito sobre o assunto: "A formulação desse princípio foi influenciada pela ética do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que defendia que os seres racionais possuem valor em si mesmos e que respeitá-los significa tratá-los como fins e não meramente como meios." Isso não parece a forma como a Justiça vem tratando as mulheres, já que teriam que suportar uma gestação já "falida". Sem mais.
  2. Não-maleficência. É basicamente que o profissional de saúde não pode causar um mal a um paciente, mesmo que não possa exatamente fazer o bem. Porém, o autor ressalta que o princípio da beneficência está acima deste e o profissional deve, antes de tudo, fazer o bem. O autor diz também que os princípios em si não são absolutos, então devem ser pesados. No caso em si: se o feto já é anencéfalo e morrerá sem sentir dor (não tem cérebro!) e a mãe ainda pode ser beneficiada... No entanto, este princípio gera dúvidas. Mas foi a própria Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde que pediu que as mulheres pudessem abortar neste caso. Aliás, o termo certo, aparentemente, não é aborto. É interrupção terapêutica da gestação
  3. Beneficência. Agir em benefício dos outros. ("Foi formulado a partir da ética utilitarista de Mill", e quer dizer que "as ações são corretas na medida em que maximizam a felicidade". Porém, "o princípio da utilidade é diferenciado do da beneficência." Beneficência => exige a obtenção de benefícios; Utilidade => requer que os prejuízos e benefícios sejam contrabalançados.
  4. Justiça. Este, pelo que percebi, é o princípio mais complexo da Bioética e achei o autor, inclusive, um tanto vago. Ele explica que existe a Justiça formal e a material. No meu entendimento, que talvez seja um tanto rasteiro, o formal é o LEGAL, enquanto o material são as questões em si, muito mais complexas do que as teorias da justiça formuladas e do que as leis que tentam resolvê-las. Pelo que entendi, o básico deste princípio é: "distribua os bens segundo a necessidade." Isto é, dê mais a quem precisa mais, de acordo com os outros princípios.
Espero que estes esclarecimentos sobre a Bioética tragam novos argumentos para o assunto! :)

Referência: Livro "Bioética", coleção Filosofia Passo-a-Passo, número 55. Para comprá-lo, clique aqui.
                   Autor: Darlei Dall'Agnol, doutor em filosofia pela Universidade de Bristol, Inglaterra.
                  Jorge Zahar Editor

Proporção homens-mulheres no STF 

Ministra Carmen Lucia. Foto daqui.
Ministra Rosa Weber. Foto daqui.

 

Interessante pensar que havia apenas duas mulheres entre os ministros que votaram ontem e hoje. Esta é uma decisão que interfere principalmente na vida das mulheres, mas o Supremo tem (como vários outros órgão brasileiros) uma grande desproporcionalidade em relação à nossa população. As duas ministras do STF, Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram a favor da descriminalização. Os ministros que votaram contra foram Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, o presidente do STF.

Os ministros Lewandowski e Peluso votaram contra. Peguei foto aqui.


Links

A seguir, alguns links muito interessantes relacionados com o tema:
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6 comentários:

  1. Lu, muito bom o texto! Você escreve muito bem, só o contraste da fonte com o plano de fundo que me cansou um pouco a vista.

    Sobre o aborto anencéfalo, a minha opinião é a mesma em relação ao aborto em geral. Realmente não importa se vai contra meus preceitos religiosos ou não, o Estado *é* laico (pelo menos em teoria), existem várias outras religiões e até, acredite, pessoas SEM religão (ohhh!). Os representantes no governo esquecem completamente disso, infelizmente. E olha só, homens decidindo sobre o que uma mulher pode ou não fazer com o próprio corpo!

    Um site muito interessante é esse aqui: 2012.republican-candidates.org/Abortion.php, que lista a opinião dos candidatos à presidência pelo lado Repúblicano.

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    1. Obrigada, Carol! Eu ainda estou arrumando o layout, entao tenho umas cores pra mudar mesmo, principalmente nas fontes. Para mim tambem nao importa se vai contra os preceitos religiosos, pelo mesmo motivo, mas o que me deixa em duvida as vezes 'e: 'e uma vida ja? entao a gente vai autorizar a matar? Mas ainda assim tenho forte inclinacao a ser a favor do aborto em geral. No caso especifico de anencefalia eu acho muito obvio que tem que ser autorizado porque esta questao se esvai, ja que ele vai morrer muito rapido e isso so vai traumatizar a mae.

      Obrigada pelo link, vou olhar! =*

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  2. Anônimo4/14/2012

    Cabe uma opinião masculina? hehehe

    Inicialmente essa questão de que "a mulher é dona do próprio corpo" é o óbvio. Tanto mulheres como homens os são e cabe a cada um deles, de livre arbítrio, fazerem dele o que quiser. A questão confessional, nesse caso, também diz respeito à consciência de cada um. Isso serve para quem decide suicidar-se, por exemplo. Ou para quem quem decide mutilar-se; ou ainda para quem ainda em vida, decide pela doação dos órgãos, etc. Os exemplos seriam incontáveis.

    Porém em se tratando da questão do aborto, a questão, ainda em minha opinião, extrapola o significado de "meu próprio corpo", já que por uma decisão, consciente ou não, duas pessoas se uniram sexualmente e geraram nessa relação, UM OUTRO CORPO, que não é mais meu, nem dela. É uma vida! E essa vida, no meu ponto de vista, deve ser preservada acima da decisão "egoísta" de que "sou dona de meu corpo". Outro dia li algo que dizia mais ou menos assim: "Todos que são à favor do aborto, não foram abortados".

    Hoje, infelizmente, vivemos em uma sociedade cada vez mais secularizada e onde prevalece o "meu bem estar", em detrimento do "coletivo". E isso se reflete em todas as instâncias de nossa vida: econômica, política, meio-ambiente, educação, saúde, etc. E a tendência do "pensamento geral", é cada vez mais favorecer esse "bem estar particular e único", mesmo se às custas do bem estar coletivo.

    Mas agora vêm mais duas colocações que gostaria de fazer:

    1) No caso dos anencéfalos, sou a favor da descriminalização, porém o poder de decisão cabe à mãe e ao pai ou ainda, se quiserem estender a decisão, à família como um todo;

    2) Quanto ao aborto em si, sou contra pelos motivos que já expus antes e não sou à favor da descriminalização. Porém, respeito as opiniões em contrário, embora não concorde com elas.

    Muito bom levantar esse debate, que deve ser levado à exaustão

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    1. Olá, Agostinho, obrigada pelo comentário instigante! Claro que cabe uma opinião masculina! :)

      1) Eu discordo que o poder de decisão sobre o aborto de anencéfalos cabe a mãe E ao pai. Cabe A MÃE porque se o aborto é claramente LEGAL quem tem que decidir se quer ou nao é a mulher, porque só ela pode decidir sobre a sua autonomia e é dentro DELA que o feto está! Imagina se toda vez que a mulher fosse abortar um feto anencéfalo precisasse do consentimento do pai, que quer conhecer a criança ou sei mais lá o quê. Seria impor o sofrimento a esta mulher de toda forma e a decisão do STF nao serviria para nada.(Fora que paternidade é uma coisa muito mais complexa legalmente do que maternidade. Por exemplo: não é difícil saber quem é a mãe de uma criança, já o pai... Eu acho que aquela frase que ouvimos de que "a mulher torna-se mãe quando engravida; o homem torna-se pai quando o bebê nasce" deveria ser assim também legalmente, mas pensei nisso só agora...

      2)Quando ao aborto em geral, como eu já disse, eu sou reticente, mas nao acho que o melhor argumento de quem é a favor seja que "a mulher é dona do próprio corpo". Até porque, concordo com vc, tem outro corpo ali. Mas eu não sei das questões de cada mulher. Para ver uma opinião interessante de como a discussão pode ir além do "pró-vida" x "pró-escolha" e englobar toda a sociedade, dá uma olhada neste link aqui: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/04/guest-post-aborto-alem-do-pro-vida-x.html

      A autora chega ao ponto bem no fim do texto: questiona como a não legalização do aborto impacta em toda a sociedade. Inclusive, abortar é ilegal e "'e pecado", mas dar o filho para adoção é legalmente aceito e se é pecado eu já não sei... Um link interessante sobre esta segunda reflexão: http://terapiabiografica.com.br/blog/2008/10/26/entenda-como-funciona-o-processo-de-entrega-de-uma-crianca-a-adocao-no-brasil/

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