quarta-feira, 6 de março de 2013

"Terra Sonâmbula" de Mia Couto

     Mia Couto é amor, minha gente! <3


"Prazer, Mia Couto. Sim, eu sou homem." rs E eu, Luciana, já me arrependi de não ter ido autografar meu livro na Fliporto :(


   Eu li este livro no fim do ano passado e achei incrível, eu nunca tinha lido nada igual. O que eu mais gostei disparado foi da linguagem de Mia Couto, bem diferente. Me lembrou um pouquinho Drummond enquanto cronista, mas o Mia Couto não esconde de ninguém que o escritor brasileiro que mais o influenciou foi Guimarães Rosa. Quanto aos personagens, me apeguei ao menino Muidinga, achei ele meigo, achei bonito o relacionamento que ele constrói com Tuahir. Gostei também que a única fonta de "literatura" disponível para os dois é vista de forma tão positiva, uma forma de consolo em uma realidade tão dura.

   Quanto à escrita dele, é bem cheia de neologismos. Acho que esta é a marca principal que nos faz distingui-la. Mas ele não faz trocas banais de sufixos, como eu já vi por aí... Ele cria palavras, pelo que lembro, principalmente por fusão: obtém uma terceira que agrega o significado das anteriores e, às vezes, ainda dá a impressão de ser mais expressiva do que uma simples soma das duas. Enfim, uma coisa difícil de explicar assim, sem dar exemplos. E eu não quero procurá-los também porque fora do contexto em que são usadas, estas palavras não ficam a mesma coisa. A linguagem é tão gostosa que, se a história fosse chata, ainda assim, seria uma delícia de se ler. Fiquei com vontade de ler mais coisas de Mia Couto e também (de verdade, porque na escola li bem "safadamente" xD) "Primeiras Estórias" de Guimarães Rosa.

   Resumindo bastante (só para deixar vocês com vontade), Terra Sonâmbula conta a história de dois sobreviventes da guerra (civil, creio), o velho Tuahir e o menino Muidinga, que na verdade não se chama assim, ele foi batizado assim por Tuahir, que o resgatou e protegeu enquanto ele estava doente. A partir daí, os dois buscam continuar vivos e chegar a algum lugar seguro, mas, no caminho, também precisam descobrir quem são, e o relacionamento deles (que também está sendo construído) é importante neste processo. O livro é descrito por vários sites (dá um google) como um dos 12 livros africanos mais importantes do século XX (foi publicado em 1992).

   Interessante como acompanhar por tão pouco tempo esses dois personagens principais te mostra umas coisas sobre uma realidade tão distante da nossa. O autor não fica explorando a situação social africana, ela realmente não pode ser considerada personagem da trama, é apenas um pano de fundo mesmo. Mas eu me senti mais informada depois de ler o livro, mais "cidadã do mundo". Aliás, essa é a graça de ler, né não? Viajar sem sair do lugar. Eu queria partilhar com vocês dois trechinhos que eu li em um outro livro (que eu estou lendo para a monografia) sobre a situação da África. [O trecho era comparando a Índia com a África Subsaariana, mas o que eu quero é mostrar como isso (que foi escrito em 1999!) continua, infelizmente, tão atual:]
"Desde a independência, a Índia tem estado relativamente livre dos problemas da fome coletiva e também da guerra prolongada e em grande escala, problemas que periodicamente assolam numerosos países africanos. (...) Ademais, muitos países da África subsaariana têm tido experiências de declínio econômico -- em parte relacionadas a guerras, agitação e desordem política -- que dificultam particularmente a melhoria dos padrões de vida."
"A África também sofre com um ônus muito maior da dívida externa, que hoje é colossal. Há ainda a diferença advinda do fato de que os países africanos têm sido muito mais sujeitos a governos ditatoriais (...)."
[Do livro "Desenvolvimento como Liberdade" de Amartya Sen, Companhia das Letras. Edição de Bolso nas páginas 140 e 401.]

Voltando ao livro... Só para dar um gostinho, aqui vão algumas das minhas citações favoritas:
  1. "E ao ouvir os sonhos de Tuahir, com os ruídos da guerra por trás, ele vai pensando: 'não inventaram ainda uma pólvora suave, maneirosa, capaz de explodir os homens sem lhes matar. Uma pólvora que, em avessos serviços, gerasse mais vida. E do homem explodido nascessem os infinitos homens que lhes estão por dentro'." A minha preferida é esta. É a parte mais legal que eu lembro de já ter visto em um livro.
  2. "Ali ficou, mais grave que oração. Uma vontade me levava para ela, eu queria conhecer sua tristeza. E havia naquele corpo uma viuvez prematura que não provinha de morte falecida mas de desatento abandono de si. No momento me ocorreu colher flores selvagens e colocar nos pés do monumento. Só então a mulher ergueu os olhos, uns enormíssimos olhos que eu já havia visto em algum lado. Me contemplou um infinito. Depois voltou a entrar no negro de suas vestes, no abismo de seu silêncio. Acabei me retirando, intrigado. Em mim teimava a presença daquela mulher."
  3. "Afinal que moral era a dele? O administrador contrargumenta: ninguém vive de moral. Será, cara esposa, que a coerência lhe vai alimentar no futuro?"
  4. [Parte da resposta da esposa:] "Você, Estevão, é como uma hiena: só tem esperteza para as coisas mortas." p. 168-9.

6 comentários:

  1. Anônimo3/06/2013

    Gostei muito desse texto, Luciana. Você leva jeito!
    Fernando Rêgo Barros

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    1. KKK Obrigada, Painho. :) Você é suspeito para falar. Mas, é bom saber que alguém que escreve bem como você acha isso.
      Bjs!

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  2. Anônimo3/10/2013

    Eu fiquei c muita vontade de lê-lo agora! :D vou falir um pouquinho na cultura amanha, mas pra comprar livrinhos que sei que serão ótimos, pq pude ler sua opinião antes! :D E tenho q me despedir msm pq em petrolina n tem livrarias! :( (triste demais e vergonhoso isso) Aí tem q comprar livro na internet lá, e eu n gosto, então vou fazer um "estoquezinho" q meu dinheirinho me permita antes de voltar, heheh.
    Taís

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    1. NÃO TEM LIVRARIAS ou não tem MUITAS livrarias? o.o Eu me lembro do Recife antes de ter Saraiva e Cultura. Era Imperatriz e Siciliano e seja feliz! Elas eram ótimas, mas bem pequenas. E não dava para pedir tantos livros quanto agora.
      Mas sem livrarias? Com certeza o meu pai já teria descoberto todos os melhores sebos da cidade, hehehe. (Não me diga que também não tem sebos, senão eu vou achar que a cidade não tem livros!)

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    2. Anônimo3/11/2013

      Só tem papelarias que vendem alguns livros (só best-sellers - é assim q escreve?)e tem um sebo legal, q lá da pra achar uns livrinhos, mas tbm n mtos... E se tem mais livrarias ou sebos eu n conheço =/
      Taís

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    3. Bom, só me espantei porque a cidade é grande, então creio que há público. Mas nós vamos dar um jeito nisso. :)

      Eu acho que se escreve best-sellers, sim.

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